Gabriela tinha 15 anos quando chegou a Ilhéus (BA) à procura de trabalho em
casas de família. Acabou indo trabalhar para o árabe Nacib. Assim começa a
história da famosa personagem de Jorge Amado, protagonista do romance
"Gabriela, cravo e canela". O resto da história, o público já
conhece.
A situação de Gabriela ainda é muito comum no Brasil, apesar de o trabalho
infantil doméstico constar na lista das Piores Formas de Trabalho Infantil,
conforme o Decreto
6.481/2008, que regulamentou pontos da Convenção 182
da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Uma pesquisa realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2011, intitulada
O
Trabalho Infantil Doméstico no Brasil, dois anos após o decreto presidencial,
trouxe números alarmantes: cerca de 258 mil crianças e adolescentes (entre
cinco e 17 anos) ainda estavam ocupados no trabalho infantil doméstico. Desse
total, 102.668 (39,8%) estavam na Região Nordeste; 66.663 (25,9%) no Sudeste;
35.590 (13,8%) no Norte; 34.755 (13,5%) no Sul; e 18.015 (7%) no Centro-Oeste.
No mesmo período, os Estados de Minas Gerais (31.316), Bahia (26.564), São
Paulo (20.381) e Pará (19.309) apresentavam os maiores números absolutos de
crianças e adolescentes em situação de trabalho doméstico. A estimativa da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) é de que 15,5 milhões de crianças
em todo o mundo estão envolvidas em trabalho doméstico, remunerado ou não, em
casa de terceiros.
Dados de levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos (Dieese) confirmam que o trabalho infantil doméstico
persiste nas regiões metropolitanas brasileiras, particularmente entre as
meninas negras. As informações apontam que cerca de 4% das garotas, com idades
entre dez e 17 anos, são trabalhadoras domésticas em Salvador. A Federação
Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) reforça a informação por meio
de uma pesquisa que traçou o perfil das crianças e adolescentes trabalhadoras
domésticas no Brasil: 93% são meninas e mais de 60% são negras.
O trabalho doméstico é tão fortemente enraizado nas práticas sociais
brasileiras que chegou a ser contemplado no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei
8069/1990), instituído em 1990: o ECA determinava regularização da guarda
do adolescente empregado na prestação de serviços domésticos.
Esse artigo (248)
é considerado tacitamente revogado desde 2008, quando o Brasil aprovou a lista
de piores formas de trabalho infantil.
O trabalho infantil doméstico viola os direitos humanos de crianças e
adolescentes à vida, à saúde, à educação, ao lazer, e ainda acarreta prejuízos
que comprometem o seu pleno desenvolvimento físico, psicológico, cognitivo e
moral. Por ser realizado no âmbito residencial, onde não é possível uma
fiscalização sistemática, expõe a criança e o adolescente a uma série de
violações de outros direitos, desde a baixa remuneração e longas jornadas de
trabalho até atos de violência e abusos sexuais.
"O trabalho infantil doméstico ocorre de maneira invisível aos olhos do público, pois as crianças e adolescentes estão isoladas e longe de suas famílias", afirma a ministra do Tribunal Superior do Trabalho Kátia Magalhães Arruda, uma das gestoras nacionais do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho. Para a ministra, o mais importante é conscientizar a população de que é se trata de uma atividade degradante, que expõe a criança a riscos físicos e emocionais. "Rouba a infância. Lugar de criança é na escola", enfatiza.
Fonte: CSJT